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segunda-feira, 29 de setembro de 2025

Guiné 61/74 - P27268: Notas de leitura (1843): "Vestígios Portugueses no Senegal", edição da Embaixada de Portugal em Dacar, 2008 (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 5 de Novembro de 2024:

Queridos amigos,
Certamente que não passa de mera curiosidade, havendo, no entanto, de reconhecer que todas estas referências alusivas a património português se devem a presença multissecular, a ilha de Gorée foi paradoxalmente ponto de venda de escravos e lugar de retempero para navegadores; estudiosos portugueses como Teixeira da Silva Mota, Carreira, Silva Horta, Costa Dias, entre outros, estudaram a presença luso-africana neste ponto da então Senegâmbia, onde podemos incluir judeus e cristãos novos até ao início do século XVII; um historiador francês que aqui já se fez referência, Jean Boulègue também estudou esta expressão da luso-africanidade, que podemos situar entre o fim do século XVI até ao século XVII, autores de viagens como André Álvares de Almada e Francisco Lemos Coelho deram nota dessa presença; o padre jesuíta Baltasar Barreira pregou em Joal e Portudal, no século XVIII eram já só uma memória e os últimos luso-africanos na Senegâmbia viviam no século XIX em Joal. É uma curiosidade mas faz parte do nosso itinerário pelas partidas do mundo.

Um abraço do
Mário



Vestígios Portugueses no Senegal

Mário Beja Santos

Trata-se de uma edição da Embaixada de Portugal em Dacar, 2008, e merece atenção o texto com que o embaixador António Montenegro apresenta a obra:
“Olhando uma panorâmica aérea de Gorée, por exemplo, a primeira imagem desta obra, como o navegador Dinis Dias em 1444 não viu certamente, parece-nos ver uma miniatura de África, com o grande e côncavo golfo da Guiné retido na pequena enseada da ilha, onde muitos navegadores, portugueses, holandeses, ingleses, franceses, sossegaram dos perigos do mar e gozaram os prazeres da tranquilidade.
Quando os navegadores portugueses encontraram esta pequena ilha, a que chamaram ilha da Palma, estavam sôfregos do Oriente, onde queriam chegar depressa. Mas só chegaram ao Oriente mais de cinquenta anos depois, em 1498, com Vasco da Gama. Gorée, então ainda Palma, ficou sempre, nos dois séculos de presença portuguesa, como lugar de repouso, de encanto, de aguada para naus e navegadores recuperarem forças.
Poderá assim dizer-se que os portugueses anteciparam Gorée e a ‘petite côte’ mais a Sul, como lugar de turismo. Mal imaginavam os portugueses que, continuando pela costa de África, avistando e dobrando o Cabo da Boa Esperança, no extremo Sul, subindo a costa Leste, iam encontrar uma outra pequena ilha, a ilha de Moçambique, simétrica de Gorée. Ilha de Gorée e Ilha de Moçambique, ambas Património da Humanidade.
Na sua passagem pela Costa Ocidental de África que hoje é o Senegal, os portugueses deixaram marcas na designação geográfica (Pikine, Roufisque, Portudal, Cap Vert, Almadies, Casamanse, Ziguinchor, etc.), mas deixaram sobretudo uma serena imagem de gente do lado de cima do mar, se sente bem em toda a parte do mundo no meio de toda a gente.
Foram os cartógrafos portugueses quem desenhou os primeiros mapas do território que hoje constitui o Senegal.”


Selecionámos um conjunto de imagens que se prendem com a ilha de Gorée, de construções onde é patente a arquitetura portuguesa; a publicação inclui um conjunto de artigos alusivos à história da Igreja Católica no Senegal, aos luso africanos da Senegâmbia, e também um interessantíssimo artigo de António Carreira referente a aspetos da influência da cultura portuguesa na área compreendida entre o rio Senegal e o Norte de Serra Leoa. Penso que tem muito interesse referir algumas dessas designações: Pikini, de pequenino ou pequeno; Pintade, pintada, ou seja, a galinha do mato ou galinha da Índia; Portonké, é vocábulo composto de porto, abreviatura de Portugal mais o sufixo de origem ou procedência, da língua Mandiga, Nké, homem: homem do porto, ou seja, homem de Portugal; Portugalais, designação dada ao mestiço de origem ou de língua portuguesa; Almadie, do árabe al-madia: difundido pelos portugueses. Usado com o significado de canoa ou piroga; Argamasse, de argamassa, usado para significar barro amassado; Cebessaire, de cabeceira. Usado com o significado de: o que vai (ou está) à frente (o guia); Cheval marim, de cavalo-marinho ou hipopótamo; Cobra, de cobra; Conta de terra: colares que servem de adorno; Coutumes, de costumes. Utilizado com mais frequência para definir direitos de tráfego, impostos, tributos que, outrora, os régulos exigiam para consentir na passagem ou no estacionamento de negociantes europeus ou mestiços nos seus territórios.

Outro aspeto muito curioso da publicação é a indicação de nomes de origem portuguesa de famílias senegalesas que se encontraram na lista telefónica de Dacar, são exemplos: Alcântara, Alexandre, Gomis, Monteiro.


Ilha de Gorée
Mapa manuscrito de Casamansa, cerca de 1800.
Pela convenção de 12 de maio de 1886 entre Portugal e a França, Casamansa passou para a administração francesa
Comissariado de polícia, construído no local onde existiu a primeira capela e cemitério portugueses em Gorée
Casas de traça portuguesa, São Luís (antiga capital)
Saly Portudal, construção sobre fortim português
Casa da traça portuguesa, Ziguinchor, Casamansa
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Nota do editor

Último post da série de 27 de setembro de 2025 > Guiné 61/74 - P27259: Notas de leitura (1842): "Os Có Boys (Nos Trilhos da Memória)", de Luís da Cruz Ferreira, ex-1º cabo aux enf, 2ª C/BART 6521/72 (Có,1972/74) - Parte I: Apresentação sumária (Luís Graça)

segunda-feira, 23 de setembro de 2019

Guiné 61/74 - P20170: Notas de leitura (1220): “Antologia de textos lusófonos sobre o Senegal”, seleção de textos de António Montenegro, José Horta e Mallé Kassé, sem indicação de editor; Dakar, 2015 (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 24 de Janeiro de 2017:

Queridos amigos,
Esta publicação que tem tanto de maravilhoso e de singular foi-me gentilmente oferecida pelo professor José Silva Horta, historiador da Guiné. Quem elaborou a antologia primou pelo desvelo, pelo rigor histórico e ficamos assim com um documento que permite discernir as mentalidades e os conhecimentos de quem chegou àquela Guiné em primeiro lugar. Onde faltava cartografia a imaginação era luxuriante: tínhamos chegado à Etiópia Menor, o rio Nilo andaria por ali perto, e coisas assim. Trata-se de um documentário com pormenores relevantes sobre os povos, os sistemas de poder, os credos religiosos, os alimentos, as aves, os animais de caça. Ali começava a Guiné, no rio Senegal e a Senegâmbia ou os rios da Guiné de Cabo Verde estendiam-se até à Serra Leoa. E assim foi durante séculos, com tal incerteza que precisámos do século XIX para saber o que era a Guiné Portuguesa, deitando por terra todos os outros topónimos.

Um abraço do
Mário


O Senegal, a Guiné em textos lusófonos

Mário Beja Santos

A obra intitula-se “Antologia de textos lusófonos sobre o Senegal”, é bilingue, seleção de textos de António Montenegro, José Horta e Mallé Kassé, sem indicação de editor, Dakar, 2015. Na apresentação, António Montenegro diz explicitamente que “Os portugueses foram quem primeiro cartografou o território do Senegal e primeiro escreveu sobre as suas populações. Os cronistas portugueses do século XV, que escreveram sobre as navegações ao longo da costa Ocidental de África, e os cartógrafos que pormenorizaram o recorte do continente africano, mencionaram longa e detalhadamente, o que é hoje o Senegal. Deram à península onde se situa Dakar o nome que ainda hoje conserva, o Cabo Verde e, dentro deste, o Cap Manuel, do rei D. Manuel I, e a Pointe des Almadies, de um tipo de barco português”.

Os organizadores maravilham-nos com o acervo dos autores antologizados, logo com Honório Barreto, a que se seguirá um vasto reportório de autores como Fernanda de Castro, Benjamim Pinto Bull, Nize Isabel de Morais, António Pinto da França, Gilberto Gil, Gonçalo Cadilhe, José Luís Peixoto, Ondjaki e Léopoldo Sédar Senghor. A antologia abre com o capítulo XXXI da “Crónica do descobrimento e conquista da Guiné”, e que tem a designação “Como Dinis Dias foi à terra dos negros e dos cativos que trouxe".

Este Dinis Dias pediu ao Infante D. Henrique para armar caravela, “porque era homem desejoso de ver coisas novas”. O Infante agradeceu-lhe, Dinis Dias armou uma caravela, “passou a terra dos Mouros e chegou à terra dos negros que são chamados Guinéus. E ainda que nós já nomeássemos algumas vezes em esta história por Guiné a outra terá em que os primeiros foram, escrevendo-lho assim em comum, mas não porque a terra seja toda uma; pois grande diferença têm umas terras das outras, e muito afastadas estão”. Filharam quatro nativos, “os quais foram os primeiros negros que em sua própria terra foram filhados por cristãos”. Dinis Dias prosseguiu viagem até que chegou a um grande cabo, ao qual puseram o nome Cabo Verde. “E dali fizeram volta para este reino, e conquanto presa não fosse tamanha como as outras que antes vieram, o infante a teve por mui grande, por ser daquela terra. E assim fez por isso a Dinis Dias e a seus companheiros grandes mercês”.

Convém contextualizar o espaço e o tempo destas viagens: a cartografia era então elementar, desconhecia por inteiro o recorte desta África Ocidental, razão pela qual surgiram efabulações à volta da Etiópia, do rio Nilo, na natureza dos povos justapostos entre berberes, mauritanos que habitavam até às proximidades do rio Senegal e os negros, por vezes islamizados, e os outros, puramente animistas, todos eles com sistemas de poder bem diferentes. Só assim se pode entender a leitura de Esmeraldo de Situ Orbis de Duarte Pacheco Pereira, que fala do rio Senegal, que ali era o princípio dos etíopes e homens negros, que havia li duas Etiópias, a inferior, que corre e se estende pela costa do rio Senegal até ao cabo da Boa Esperança, e que a este rio também se chama Guiné. A outra Etiópia, superior, começa no rio Indo, além do grande reino da Pérsia…

No canto V de Os Lusíadas, Camões também aborda a novidade destas terras descobertas, revela o nível de conhecimentos disponíveis na época:

“Deixámos de Massília a estéril costa,
Onde seu gado os Azenegues pastam,
Gente que as frescas águas nunca gosta,
Nem as ervas do campo bem lhe abastam;
A terra a nenhum fruto, enfim, disposta,
Onde as aves no vento o ferro gastam,
Padecendo de tudo inópia,
Que aparta a Barbaria da Etiópia.”

“Passámos o limite a onde chega
O Sol, que pera o Norte os carros guia;
Onde jazem os povos a quem nega
O filho de Climene a cor do dia.
Aqui gentes estranhas lava e rega
Do Negro Sanagá a corrente fria,
Onde o Cabo Arsinário o nome perde,
Chamando-se dos nossos Cabo Verde.”

“Por aqui, rodeando a larga parte
De África, que ficava ao Oriente,
A província Jalofo, que reparte
Por diversas nações a negra gente;
A mui grande mandinga, por cuja arte
Logramos o metal rico e luzente,
Que do curvo Gambeia as águas bebe,
As quais o largo Atlântico recebe.”

Importante testemunho é o do missionário Baltazar Barreira (1538-1612), que visitou a Guiné e a Serra Leoa. Na sua carta ao padre João Álvares ele refere que o rio Senegal é o princípio da Guiné, dizendo mais ou menos isto: “Esta parte de África que os portugueses propriamente chamam Guiné começa no rio Cenaga (fórmula com que ao tempo se falava do rio Senegal), e corre pela costa até à Serra Leoa, obra de 180 léguas de Norte a Sul, é tão caudaloso este rio Cenega que sobem por ele os navios 150 léguas”. Fala dos Fulos que habitam este rio, seus usos e costumes e refere depois os Jalofos que habitam a parte Sul do rio Senegal. Mais adiante, dá-se a palavra a André Álvares de Almada, logo no primeiro capítulo do seu incontornável Tratado Breve dos Rios da Guiné do Cabo Verde fala dos negros Jalofos, dos seus costumes e trajes, são páginas extraordinárias tal como o capítulo VIII, dedicado ao reino do Casamansa.

Esta antologia é uma obra de devoção e de rigor científico, aqui podemos perceber a nebulosidade do conceito territorial da Guiné, como a sua fronteira imaginária começava no Senegal, os textos registados, primorosamente selecionados a partir de Zurara e consagrando nomes como André Donelha, Francisco Lemos Coelho e até Honório Pereira Barreto, devia ser acessível ao leitor português, nesta área da África Ocidental escrevemos páginas brilhantes de uma literatura que permanece praticamente ignorada, é um dano cultural reparável e necessário para portugueses e guineenses, está aqui a nossa proximidade, o nosso abraço lusófono, também.
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Nota do editor

Último poste da série de 20 de setembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20161: Notas de leitura (1219): Missão cumprida… e a que vamos cumprindo, história do BCAV 490 em verso, por Santos Andrade (24) (Mário Beja Santos)